E a saúde humana?

A maior parte das pessoas, ao considerar o menor acúmulo de substâncias tóxicas e a maior abundância de nutrientes benéficos em orgânicos (como discutimos no post #2), automaticamente conclui que existam estudos científicos demonstrando os impactos positivos da dieta baseada em alimentos orgânicos para saúde. Contudo, estes estudos não existem. Isso não quer dizer que orgânicos não sejam benéficos, mas é preciso entender algumas limitações das evidências para que se possa fazer escolhas conscientes.

Esta inexistência se deve à dificuldade de desenvolver estudos que façam intervenções na dieta de populações ao longo do tempo e consigam atribuir os efeitos observados em relação à saúde aos alimentos orgânicos ou convencionais consumidos. Além de restrições éticas – seria inaceitável submeter pessoas ao consumo de alimentos sabidamente com maior teor de pesticidas tóxicos -, controlar a alimentação e isolar outras variáveis e hábitos de vida são extremamente difíceis em populações humanas. É sabido, por exemplo, que indivíduos que priorizam o consumo de alimentos orgânicos comem menos alimentos hiper-industrializados sabidamente nocivos e mantém outros hábitos saudáveis que podem contribuir para menor incidência de doenças.

Isso não quer dizer que não existam muitas evidências dos efeitos saudáveis de nutrientes abundantes em orgânicos e dos efeitos nocivos de resíduos de pesticidas de convencionais. Estes estudos, contudo, geralmente são feitos com suplementação de nutrientes específicos – como os que são abundantes em orgânicos – em populações nas quais se acompanha parâmetros de saúde e doenças ou se baseiam no uso de animais experimentais. Vamos entender o que já se demonstrou:

O lado bom dos orgânicos para a saúde: polifenóis e seus benefícios

Embora não haja estudos longitudinais e de intervenção (saiba mais sobre tipos de estudos científicos aqui), existem muitos estudos robustos associando o consumo de polifenóis que são mais abundantes em alimentos orgânicos a benefícios para saúde. Como discutimos no post #2 desta série, alimentos vegetais orgânicos tem entre de 20 e 70% mais polifenóis de diversas classes do que alimentos de cultivo convencional.

Polifenóis são uma grande família de nutrientes de plantas divididos em várias classes e conhecidos por seus comprovados efeitos positivos para a saúde humana e para a microbiota saudável que devemos cultivar em nosso intestino.

Polifenóis atuam como anti-inflamatórios em nosso organismo e já foram associados a redução da inflamação associada ao envelhecimento. Além disso, estudos já associaram a ação destas moléculas à redução de risco de doenças como câncer, doenças cardiovasculares e neurogenerativas. Outros estudos demonstraram o poder destes polifenóis em reduzir moléculas associadas à inflamação crônica em pacientes com arterosclerose.

Além de anti-inflamatórios, polifenóis são potentes anti-oxidantes que agem indiretamente estimulando a produção de glutationa, nossa mais potente defesa contra espécies reativas de oxigênio, ou radicais livres. Graças a esta ação, polifenóis mesmo em quantidades reduzidas, se absorvidos, podem ter efeitos anti-oxidantes maiores do que vitaminas, mesmo não sendo considerados nutrientes essenciais.

Além dos potenciais benefícios dos orgânicos para a saúde, o consumo de orgânicos reduz a chance de exposição aos resíduos de agrotóxicos de forma continuada.

Além dos potenciais benefícios, a substituição de vegetais convencionais por orgânicos protege da exposição a substâncias tóxicas

Embora estudos sobre os efeitos da exposição a agrotóxicos venham normalmente de populações agrícolas que se expõem a quantidades muito maiores do que aquelas que a população em geral poderia ser exposta pelo consumo de alimentos, um levantamento recente do governo americano demonstrou que mais de 90% da população possui níveis detectáveis de pesticidas e seus metabólitos no sangue ou urina.

Mesmo com quantidades detectáveis no organismo, a maior parte destas pessoas não apresentava sinais de intoxicação, pois as quantidades às quais somos potencialmente expostos ao consumir alimentos convencionais são muito baixas. Isso não quer dizer que não acarretem efeitos sub-clínicos. Ou seja, podem existir efeitos inicialmente não detectáveis e o consumo prolongado pode levar a efeitos nocivos mesmo em doses baixas.

O eventual impacto do consumo de alimentos convencionais depende de terem resíduos dos agrotóxicos que foram usados durante seu cultivo, dos tipos de resíduos e toxicidade deles.

Outros fatores incluem a população em questão, e deve considerar, por exemplo, que crianças e idosos ou pessoas doentes tendem a ser mais sensíveis.

Dois estudos relataram que o consumo de alimentos convencionais resultam na detecção de pesticidas na urina de crianças. Outros estudos, por exemplo, associam o consumo de vegetais e frutas com pesticidas a menor sucesso reprodutivo e fertilidade em homens e mulheres.

Um estudo amplo de revisão com meta-análise incluindo mais de 300.000 pessoas de 10 países diferentes recentemente demonstrou que a exposição crônica a diferentes tipos de pesticidas está associada a maior risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2.

A maior parte dos efeitos nocivos associados à exposição a resíduos de agrotóxicos inclui os efeitos atribuídos aos Poluentes Orgânicos Persistentes, ou POPs.

Esta ampla classe de substâncias químicas inclui agrotóxicos e outras substâncias de uso industrial que possuem características de alta persistência (ou seja, não são facilmente degradadas). Desta forma, além de estarem presentes como resíduos em alimentos, podem ser transportadas por longas distâncias no ar, água e solo, e se acumularem no tecido adiposo de organismos vivos e causarem efeitos tóxicos para a saúde humana e o meio ambiente.

A exposição aos POPS está associada a diminuição da capacidade do organismo responder ao hormônio insulina, levando à hiperglicemia, um dos sintomas iniciais de síndrome metabólica e diabetes. Também causam aumento  nos níveis de ácido úrico, embora o mecanismo não esteja elucidado pode estar relacionado com o aumento de proteínas e moléculas nitrogenadas em alimentos convencionais.

Estudos já associaram a exposição aos POPS à hipertensão, demência e doenças neurodegenerativas.

Os efeitos benéficos de orgânicos e os efeitos tóxicos de potenciais resíduos de agrotóxicos em alimentos de cultivos convencionais já foram relacionados com outras doenças. Contudo, estas evidências nem sempre são robustas, e no Longety avaliamos não apenas os efeitos como a consistência dos trabalhos. No futuro este post poderá ser atualizado com novas informações de trabalhos científicos.

Principais pontos:

  • não existem estudos acompanhando por períodos longos populações com alimentação baseada em alimentos vegetais orgânicos ou convencionais e estabelecendo relações causais com parâmetros de saúde e doença
  • orgânicos possuem quantidades significativamente maiores de polifenóis que possuem efeitos anti-inflamatórios e anti-oxidantes
  • polifenóis estão associados à redução de risco de doenças como câncer, doenças cardiovasculares e neurogenerativas
  • o consumo de orgânicos reduz a chance de exposição aos resíduos de agrotóxicos de forma continuada
  • a maior parte da população possui níveis detectáveis de pesticidas e seus metabólitos no sangue ou urina e estes podem acarretar efeitos sub-clínicos
  • a exposição a pesticidas está associada a maior risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2
  • POPs, poluentes orgânicos persistentes, incluindo alguns agrotóxicos, podem acumular no ambiente e no corpo e causar efeitos nocivos para a saúde
  • a exposição aos POPS leva à resistência à insulina e hiperglicemia, sintomas de prediabetes, síndrome metabólica e diabetes.
  • POPs também estão associados à respostas inflamatórias crônicas, hipertensão, demência e doenças neurodegenerativas.

Os outros posts desta série incluem:
#1 – o que são orgânicos
#2 – nutrientes e resíduos tóxicos em relação a alimentos convencionais
#3 – alimentos locais e o impacto do transporte nos nutrientes
#5 – sustentabilidade econômica, social e ambiental
#6 – AS LISTAS
(as lista de referências bibliográficas e fontes de informação consultadas para elaboração desta série de posts vai aparecer no final do post #5)

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